quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Gosto do Pessoa na Pessoa, da rosa no Rosa. O que quer e o que pode esta língua?



Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira! Fala!
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas! Cadê? Sejamos imperialistas!
Vamos na velô da dicção choo-choo de Carmem Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Lobo do lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em ã
De coisas como rã e ímã
Ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã ímã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon de Chevalier, Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé
e Maria da Fé
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o Recôncavo meu medo
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta, prosa caótica
Ótica futura
Samba-rap, chic-left com banana
(– Será que ele está no Pão de Açúcar?
– Tá craude brô
– Você e tu
– Lhe amo
– Qué queu te faço, nego?
– Bote ligeiro!
– Ma’de brinquinho, Ricardo!? Teu tio vai ficar desesperado!
– Ó Tavinho, põe camisola pra dentro, assim mais pareces um espantalho!
– I like to spend some time in Mozambique
– Arigatô, arigatô!)
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem.

"sobre a canção que te compus"

antes mesmo que qualquer dos meus músculos pudesse estancar alguma dor, das que adormeciam-me quase que totalmente, te compus uma canção,,, foi rápido, foi bom ter feito mas, e agora? sequer você está perto para ouvir a canção que te fiz rápido, quase que totalmente adormecido, mas meus músculos não tiveram tempo de estancar alguma dor,,, adormecidamente estanquei-te uma canção, mas você não estava com dor alguma, então compus o que ouvi: meus músculos, e agora? foi bom te comer, te adormecer com uma canção e, agora vou estancar meus músculos compostos de sobremesa, até você voltar,,, ou acordar...

1991

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

"Lugar inevitável." -O conto ( pra Beto Miranda.)


... quando me tranquei no quarto, lugar inevitável, ponderativo, ainda era início de tarde, mas formava-se um temporal tão contundente que parecia noite, porém,,, esta é a última visão de que me lembro lá de fora,,, tentei esconder de mim , as chaves do quarto,,, sequei os olhos na ponta do lençol e parei de pé, no centro, sob a lâmpada apagada,,, sabia que no clec da última volta na fechadura, trancara lá fora um pedaço de mim mesmo, mas um pedaço inútil, que me fizera viver intensa e tristemente os últimos anos,,, acendi um cigarro e fumeguei o ar,,, puxei todas as tomadas, rádio, abajur, relógio, alma,,, deitei no chão, ao lado do cinzeiro, assepticamente colocado ao lado da cama,,, a cada tragada, me vinha uma nova força pra prosseguir, a cada cinza batida aumentava a minha vontade da nunca mais sair dali,,, agora o temporal tornara-se concreto, com direito a todos os estrondos dos trovões que passavam pelas fendas da janela,,, meus desejos eram subjulgados pelo marasmo espiritual que acabara de se alojar em mim, acima do sexo e abaixo do umbigo,,, tentava mentir-me a respeito de todas as coisas significativas naquele momento: amor, vida, sexo, beleza, pureza, amor, amor... chorei ininterruptamente durante um tempo que não sei medir, sentindo dores que não sei contar, calafrios me deixavam cada vez menos confiante numa saida dali,,, levantei e olhei o espelho, minha imagem ainda chorava, embora eu permanecesse calado, imóvel, impávido, minha imagem saltou para a esquerda, então experimentei um enorme vazio, um oco que me realizava, tentei imaginar o nada, parei impotente e o espelho, ainda lucidamente, sem imagem, gelava embora eu continuasse ali: um sorriso, uma lágrima, o silêncio,,, me senti nosferato e, a vítima, era o meu próprio eu nefasto que há muito se escondia sob meu corpo caquético, empoeirado,,, de subito pensei nas roupas que punha pra secar ao sol da manhã e, que agora, deviam estar como minha alma: encharcadas a ponto de se desfazerem num leve toque de qualquer olhar,,, vedei o buraco da fechadura com massa de modelar vermelha e voltei ao espelho, dessa vez ela estava lá, minha imagem, mas agia como se não fosse minha autonomaliciosamente, corri pra cama abrindo em chagas, lastrando em dor, tentei gritar, a voz calou, tentei correr, faltaram pernas, tentei fixar o meu pensamento nos meus dias-diversões como se me pudessem devolver as chaves pra sair dali quando eu bem entendesse,,, não sei que horas eram do dia ou da noite então dormi um tempo, pois sabia que só o devagar do tempo, poderia desfazer.
1990

domingo, 26 de dezembro de 2010

Lugar inevitável

faz

alguns anos (1980) Beto Miranda, Barish, Joe e eu, formamos um grupo (banda) chamado CORPUS LIVRES, tocávamos, compunhamos e participávamos de festivais.
Muitas histórias foram geradas naquele tempo, hoje conto-lhes o nascimento e o desenrolo de uma ideia.
Passávamos horas, dias, semanas, meses tocando, cantando, ensaiando, entre as nossas composições, tocávamos músicas de outrem.
Entre as canções que adorávamos tocar estava uma do Walter Franco: " Tudo é uma questão de manter a mente quieta a espinha ereta e o coração tranquilo." Passavamos horas tocando isso, mas nenhum de nós tinha certeza de que se a música era só isso ou tinha uma outra parte que não sabíamos, depois de tocar, tocar, tocar só essa parte, o Beto fez uma 2ª pra completar, quando ele cantou pra mim, prontamente sugeri pequenas mudanças e acrescentei um pedaço. PRONTO! Assim nasceu uma canção, segue a letra:

"Lugar inevitável."

Tudo é uma questão de manter
a mente quieta, a espinha ereta
e o coração tranquilo...

Nem que eu tranque as portas do quarto
ao som
lugar inevitável
meus desejos dores de parto
mostrem as chaves
os olhos molhados
a roupa molhada ao sol
a cor parda, pequena cor
nos lábios um gosto de mel
abrindo em chagas
lastrando em dor...

Nem que eu manifeste gestos
grite palavras e tudo o mais
palavras que ontem o tempo
ainda mesmo o tempo desfaz

Um desejo singular
em mim surgindo
um fluxo ou sei lá o que
de você partindo...

Se meus dias diversão
mostrem as chaves
nosso coração...

Uma canção simples, de jovens de 20 anos de idade, mas o que quero mostrar-lhes é o que se seguiu, esta canção gerou um conto que escrevi ? anos mais tarde.

"lugar inevitável."
( pra Beto Miranda)