sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"aqui dentro."





aqui dentro há um menino
que procura o seu destino
num balão de aniversário...


há aqui um rapaz
que nunca se satisfaz
com a posição do calendário...


há também um homem
cujos sentidos lhe consomem
entre a razão e o visionário...



e ainda há uma mulher
que sabe o que quer
está pro que der
e vai se maturando
em direção ao aquários...


1992

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

"linguaprendendo."


gosto de brincar com a língua que mais conheço, só que , as vezes, me esqueço se uso "esse" ou "c-cedilha" então procuro na cartilha ortográfica pelo que é certo, aí desperto na página vinte, onde leio o seguinte: "vovô viu a vulva da vovó"; "g" de girino; "j" de jiló e o galo: cocorocó... gosto que me enrosco de usar e abusar da gramática, figura tão simpática, burilar o ortoepismo: prosopopeia, eufemismo, oralidade, verbalismo... brinco assim, a toda hora, com a língua que mora comigo, na "bocadela" eu me ligo, cacofonia é um perigo... digo um período composto; vocativo provocativo e aposto deposto, tudo pro gosto de freguês... sinto no meu rosto o português... posto que, chegou a minha vez, quero três formas verbais: particípio e infinitivos pessoais e vegetais... "aliás" tem acento agudo e, tudo que não sei pergunto, aí guardo e junto pra usar mais na frente... brinco contente com esta língua diferente; futuro, passado e presente... sigo reto como um objeto quase direto ou um sujeito oculto e secreto... brincando, sigo em frente, escrevendo enquanto vou vivendo, crescendo e linguaprendendo...



quarta-feira, 29 de outubro de 2014

"eu, pra você e, você, pra mim"




eu, pra você, sou problema,
você, pra mim, é solução...
eu, sou menos que dezena,
você, é centena de milhão...

eu, pra você, sou brinquedo,
você, pra mim, é ferramenta...
eu, sou amargo e azedo,
você, o acidoce que alimenta...

eu, pra você, sou a consequência,
você, pra mim, é o motivo...
eu, sou o ser em decadência,
você, é o elo evolutivo...

eu, pra você, sou underground,
você, pra mim, é celestial...
eu, sou um logro, uma fraude,
você, é verídica, é legal...

eu, pra você, sou a sobra,
você, pra mim , é preciso...
eu, sou a maçã e sou a cobra,
você, é a luz do paraíso...

eu, pra você, sou a dieta,
você, pra mim, é a comida...
eu, sou apenas um poeta,
você, é toda a minha vida...


Dante 2004


Postado por Izaura Carolina.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

"quando releio o que escrevo."




escrevo, me invento, me reverto no inverso de cada verso que arremesso por extenso, penso, esclareço, meio tenso, meio leso, meio a esmo, exclamo, chamo, amo em cada fina linha que, de minha, passa a tua, nua e insinua o desate, o empate de cada fato, boato, de cada lógica, andrógena, alucinógena,,, me permito cada palavra no oco âmago de cada pensamento que invento e que alimento em cada rota sem sentido, em cada sopro no ouvido, agudo, ativo e então, só então, nasce o escrito, tornando-se real e dito o que andava tão somente escondido e aflito,,, eu escrevo e me reescrevo como escravo das letras que pingam lentas no peito frouxo ou na unha mínima do planeta,,, meus sentidos passam afazer sentido e lido com o que faço, mas se quiser, desfaço cada laço atado por meus escritos,,, escrevo enquanto cresço e leio o que mereço quando releio o que escrevo... 


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

"Lugar inevitável." -O conto ( pra Beto Miranda.)




... quando me tranquei no quarto, lugar inevitável, ponderativo, ainda era início de tarde, mas formava-se um temporal tão contundente que parecia noite, porém,,, esta é a última visão de que me lembro lá de fora,,, tentei esconder de mim , as chaves do quarto,,, sequei os olhos na ponta do lençol e parei de pé, no centro, sob a lâmpada apagada,,, sabia que no clec da última volta na fechadura, trancara lá fora um pedaço de mim mesmo, mas um pedaço inútil, que me fizera viver intensa e tristemente os últimos anos,,, acendi um cigarro e fumeguei o ar,,, puxei todas as tomadas, rádio, abajur, relógio, alma,,, deitei no chão, ao lado do cinzeiro, assepticamente colocado ao lado da cama,,, a cada tragada, me vinha uma nova força pra prosseguir, a cada cinza batida aumentava a minha vontade da nunca mais sair dali,,, agora o temporal tornara-se concreto, com direito a todos os estrondos dos trovões que passavam pelas fendas da janela,,, meus desejos eram subjulgados pelo marasmo espiritual que acabara de se alojar em mim, acima do sexo e abaixo do umbigo,,, tentava mentir-me a respeito de todas as coisas significativas naquele momento: amor, vida, sexo, beleza, pureza, amor, amor... chorei ininterruptamente durante um tempo que não sei medir, sentindo dores que não sei contar, calafrios me deixavam cada vez menos confiante numa saída dali,,, levantei e olhei o espelho, minha imagem ainda chorava, embora eu permanecesse calado, imóvel, impávido, minha imagem saltou para a esquerda, então experimentei um enorme vazio, um oco que me realizava, tentei imaginar o nada, parei impotente e o espelho, ainda lucidamente, sem imagem, gelava embora eu continuasse ali: um sorriso, uma lágrima, o silêncio,,, me senti nosferato e, a vítima, era o meu próprio eu nefasto que há muito se escondia sob meu corpo caquético, empoeirado,,, de súbito pensei nas roupas que punha pra secar ao sol da manhã e, que agora, deviam estar como minha alma: encharcadas a ponto de se desfazerem num leve toque de qualquer olhar,,, vedei o buraco da fechadura com massa de modelar vermelha e voltei ao espelho, dessa vez ela estava lá, minha imagem, mas agia como se não fosse minha autonomaliciosamente, corri pra cama abrindo em chagas, lastrando em dor, tentei gritar, a voz calou, tentei correr, faltaram pernas, tentei fixar o meu pensamento nos meus dias-diversões como se me pudessem devolver as chaves pra sair dali quando eu bem entendesse,,, não sei que horas eram do dia ou da noite então dormi um tempo, pois sabia que só o devagar do tempo, poderia desfazer...

1990 




quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Strella Mãe


 
 
 
(Clarisse Monteiro)


"Me lembro tanto      
E é tão grande a saudade     
Que até parece verdade        
Que o tempo inda pode voltar”
(Edu Lobo)

Outubro,
14 de 2014.
Não teve bolo.
Não teve parabéns.
O telefone não tocou.
Nem tampouco a campainha.
A cerveja não gelou.
Os petiscos não vieram pra mesa.
Não teve falatório,
risos,
gargalhadas.
Não teve bagunça.
As luzes não se acenderam.
A vela não foi soprada.
O sopro virou suspiro.
Ficou frio
Silêncio
Vazio
Ausência
Insuportável ausência.
E
nela
Stella
a mais incômoda
Presença:

Sua falta.





terça-feira, 7 de outubro de 2014

trem



(Zecafran)


na memoria esvoaçante 
dança seu lenço amarelo,
o trem em movimento.
 
a fumaça se desfazendo
  num universo paralelo

sábado, 4 de outubro de 2014

vassouras







(Dante Pincelli e Paulo Acacio Ramos)


quando tudo ia se tornando poesia
 e ninguém sabia do medo
 no meio do cu meteu-se um dedo
 e de foder se faz outra poemia.

porque foder e poetar
 são dois tipos de epidemia

um que cola selos
outro que não sacia

meios de vida escorrida cansada,
 mesmo fodida
acabam nos aprisionando
 numa cadeia de candura...

 Cambada de putos...
e filhos da puta.

cabeças cortadas
 coisas mortas atrás da porta
 vassouras
 muitas vassouras
e umas tantas bruxas.

 além,claro, 
de um ou outro 
 bode expiatório.