... quando me tranquei no quarto, lugar inevitável, ponderativo, ainda
era início de tarde, mas formava-se um temporal tão contundente que
parecia noite, porém,,, esta é a última visão de que me lembro lá de
fora,,, tentei esconder de mim , as chaves do quarto,,, sequei os olhos na ponta do lençol e parei de pé, no centro, sob a lâmpada apagada,,, sabia que no clec
da última volta na fechadura, trancara lá fora um pedaço de mim mesmo,
mas um pedaço inútil, que me fizera viver intensa e tristemente os
últimos anos,,, acendi um cigarro e fumeguei o ar,,, puxei todas as
tomadas, rádio, abajur,
relógio, alma,,, deitei no chão, ao lado do cinzeiro, assepticamente
colocado ao lado da cama,,, a cada tragada, me vinha uma nova força pra
prosseguir, a cada cinza batida aumentava a minha vontade da nunca mais
sair dali,,, agora o temporal tornara-se concreto, com direito a todos
os estrondos dos trovões que passavam pelas fendas da janela,,, meus
desejos eram subjulgados pelo marasmo espiritual que acabara de se
alojar em mim, acima do sexo e abaixo do umbigo,,, tentava mentir-me a
respeito de todas as coisas significativas naquele momento: amor, vida,
sexo, beleza, pureza, amor, amor... chorei ininterruptamente durante um
tempo que não sei medir, sentindo dores que não sei contar, calafrios me
deixavam cada vez menos confiante numa saída dali,,, levantei e olhei o
espelho, minha imagem ainda chorava, embora eu permanecesse calado,
imóvel, impávido, minha imagem saltou para a esquerda, então
experimentei um enorme vazio, um oco que me realizava, tentei imaginar o
nada, parei impotente e o espelho, ainda lucidamente, sem imagem,
gelava embora eu continuasse ali: um sorriso, uma lágrima, o silêncio,,,
me senti nosferato e, a vítima, era o meu próprio eu nefasto que há
muito se escondia sob meu corpo caquético, empoeirado,,, de súbito
pensei nas roupas que punha pra secar ao sol da manhã e, que agora,
deviam estar como minha alma: encharcadas a ponto de se desfazerem num
leve toque de qualquer olhar,,, vedei o buraco da fechadura com massa de
modelar vermelha e voltei ao espelho, dessa vez ela estava lá, minha
imagem, mas agia como se não fosse minha autonomaliciosamente, corri pra
cama abrindo em chagas, lastrando em dor, tentei gritar, a voz calou,
tentei correr, faltaram pernas, tentei fixar o meu pensamento nos meus
dias-diversões como se me pudessem devolver as chaves pra sair dali
quando eu bem entendesse,,, não sei que horas eram do dia ou da noite
então dormi um tempo, pois sabia que só o devagar do tempo, poderia
desfazer...
1990
Me vi de alma nua nas linhas que acabei de ler ...viajei no passado um passado não muito distante,ali atras...fiquei até em duvida se eu havia escrito e não outra pessoa...me arrepiei,me emocionei...bela colocção de uma dor,um sofrimento ao qual somente quem o vive sabe e pode descrever,e só o tempo pode curar...
ResponderExcluir#"tentava mentir-me a respeito de todas as coisas significativas naquele momento: amor, vida, sexo, beleza, pureza, amor, amor... chorei ininterruptamente durante um tempo que não sei medir, sentindo dores que não sei contar, calafrios me deixavam cada vez menos confiante numa saída dali"
#"tentei gritar, a voz calou, tentei correr, faltaram pernas, tentei fixar o meu pensamento nos meus dias-diversões como se me pudessem devolver as chaves pra sair dali quando eu bem entendesse,,, não sei que horas eram do dia ou da noite então dormi um tempo, pois sabia que só o devagar do tempo, poderia desfazer..."