terça-feira, 26 de julho de 2011

"quintal" (reedição)



no quintal da minha casa

quando, às vezes, me distraio

pardais dividem os pedaços de pão

colocados ao acaso

sempre no mesmo lugar

no quintal da minha casa...


no quintal da minha casa

quase todas as coisas tem asas

borboletas sobre margaridas e flores do mato

gafanhotos que devoram bertalhas

e toda a imaginação que voa à solta, sem pressa

no quintal da minha casa...


no quintal da minha casa

o peito arde em brasa

quando penso em fazer nada

ouvindo uma música silenciosa

tocando insistentemente

entre a mangueira e o banco da varanda...


no quintal da minha casa

me entorpeço com o cheiro da erva cidreira

olho o verde das bananeiras

às vezes, repico o sino

só pra quebrar a maravilhosa monotonia...


contemplo parado meu jardim

de trevo de quatro folhas...


esmiúço os mais longínquos

cantos do pensamento

e tento organizar o quebra cabeças

da minha memória

remonto todas as fases emocionantes

da minha história...


me aborreço e me alegro

no caminho de pedras

que montei enquanto chovia

e eu cantava

no quase perfeito

lado direito

de quem entra

do quintal da minha casa...



1990 /

Quando eu morava em São Bernardo / Belford Roxo, um lugar feio, uma casa pequena, mas com um quintal maravilhoso e uma gente ( Izaura e Lis) simplesmente perfeita.


Esta poesia serviu como inscrição no concurso do blog AUTORES S/A , com ela eu fui classificado para a fase final.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

"santa noite"


debaixo do gibão

o suor da noite plena...


a donzela de chita se ri...


o cigarro de palha

cai no pó do terreiro...


o sanfoneiro, nego aço,

afufa o fole sem para...


quentão na cabaça...


palma na panela...

rapadura mandioca

e paçoca de carne de sol...


a rapariga chorosa

arranhada de mandacaru

lava as vergonhas

nas águas da cacimba...


os meninos balangam

na rede xadrez...


fogueira grande

estala feito ossos...


a quadrilha entoa o velho Lua...


valei-me São João!



2011

sábado, 23 de julho de 2011

"carregamentos móveis" (para Lis Mainá)

Nesta 5ª rodada da final do concurso de poesias do blog Autores S/A, foi proposto aos poetas que escrevessem sobre a imagem abaixo (Paradox of Praxis 1, de Francis Alÿs) e eu me classifiquei com este texto.
Agora restamos 7 poetas.
Agradeço a colaboração da minha filhinha caçula Lis Mainá que me ajudou a entender o significado da imagem.


“e agora José?

José, para onde?”


leve teu fardo

sem sentido

nesse paradoxo

comovido

do tortuoso cotidiano.


esmiúce sua caixa

de parco repertório:


Quixote abnegado,

Teseu urbano,

novelo degelo,

argonauta inglório...


2011

sexta-feira, 22 de julho de 2011

"o avesso do real"


acho que mereço o mundo ao avesso do fim pro começo, sem lenço, sem endereço... pelo conformismo, pelo machismo, pelo canibalismo que vejo pelas esquinas e não faço nada, pela madrugada inescrupulosa, pela estrada tortuosa, pela menção honrosa que recebi pelo meu belo trabalho... tô cansado pra caralho pra fazer alguma coisa: desculpa esfarrapada pela imobilidade, pela falta de sensibilidade, pelo revés da verdade que cortei em tiras e transformei em mentiras, só pra dormir em paz... pra você, tanto faz quem seja o dono do mundo, só não tolera o vagabundo imundo que te interpela na rua? te interessa mais a gata nua na capa da revista? eu sou artista e não dentista, então não me venha me mostrar os dentes com essa faca na mão em meio à escuridão, não serei a tua lerda presa, só dou mole para a minha empresa, a qual defendo até a morte, assim como o brasil defende os fortes ( os países do norte, estes sim, têm fibra e sorte )... mas lá no fundo, não acho legal a economia mundial com seu arrebatamento bestial e sua dose fatal de ampliação de mercado, isto sim, é crime organizado! e dando uma de coitado fico no meu canto, imobilizado, impotente, acabrunhado, indecentemente desgraçado... ladrão de banco? sequestrador? são piada, ser político é que é a parada: desvia um dinheiro, compra um veleiro, um carro estrangeiro. cadeia? não, ele compra o ministro e o carcereiro, aos poucos, vende o país inteiro,,, tudo rui, a vida vira escombros e eu aqui, dando milhos aos pombos... quem mata um é criminoso, condenado, inescrupuloso,,, quem mata milhões é condecorado, heróico, aclamado... “os números consagram”... as luzes não se apagam, então, sigo escrevendo... o que estou dizendo é que no mundo ao avesso não conheço um figurão que tenha sido preso: a justiça tem seu preço e eu, pareço um palhaço, aqui, só falando ao invés de estar lutando por um belo futuro, mas juro que não tenho nada com isso, no máximo, sou conivente, aceitando calmamente a realidade avessa estabelecida, ou será que “os nossos bosques têm mais vida”? ou nossas vidas foram vendidas? de qualquer modo, sigo escrevendo, pois só assim, vou me entorpecendo e me enganando que estou vivendo...


1999

quinta-feira, 21 de julho de 2011

"ser tão"


por ser tão árido,

de solina densa,

de natureza íntima,

de coisas miudas,

de espaço vasto,

de vargem rachada,

de dura lida,

de terreiros limpos,

de silêncio de bicho,

de sabedoria de pedra,

de arribação de pomba,

de farinha no prato,

de lentidão do tempo...


por ser tão ressequido,

de pintada na espreita,

de teiú na buraca,

de umbuzeiro carregado,

de gibão de couro de vaca seca,

de oiticica frondosa,

de cangalha no lombo,

de azagaia nos raios do sol,

da légua tirana,

de lama na cacimba,

de espinho na carne...


por ser tão distante

dos meus verdes olhos urbanos,

tudo parece tristeza larga

de peito apertado,

de choro baixinho,

de dor pungente...

mas celebro a vida,

a dura vida reta

dos derradeiros cantões do Brasil...


busco versos escassos de plenitude

e sorriso na poesia seca, sem rima...



2011


Na 4ª rodada da final do concurso de poesias do blog Autores s/a, o tema dado foi O SERTÃO e eu me classifiquei com este texto.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

"é hora"


passou o tempo da guerrilha

do protesto, da vigília

já não cabe o besteirol, a piada

a poesia, a passeata

já não dá pra se afogar

no fundo de um copo...

é hora do fazer,

do dedo onde mais dói:

no voto.


2011


Na 3ª rodada da final do concurso de poesias do blog Autores S/A, o tema dado foi CRÍTICA SOCIAL e eu me classifiquei com este texto.

terça-feira, 19 de julho de 2011

"hemarocale"







flor: só vive um dia
e antes do seu ocaso
vira poesia.



2011

Na 2ª rodada do concurso de poesias do blog Autores s/a, o tema dado foi livre e o estilo seria o HAICAI (poesia tradicional japonesa) composta de 3 versos de 5, 7 e 5 sílabas respectivamente, eu me classifiquei com este poema: HEMEROCALE OU LÍRIO DE UM DIA.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

"apenas saudade"


um velho

se debruça

sobre suas memórias

revira

os arquivos das lembranças parcas

contempla o crescer

de árvores, flores, matagal

procura antever as raízes

sob a terra fértil

e o pensamento caduco...


já escrevia

poesias líricas

histórias lúdicas

antes das palavras

serem inventadas...


a pedra pintada

veio muito depois

a arte ainda não existia...


chora pelo tempo derramado...


o tempo não nos poupa

não nos espera trocar de roupa

não guarda lugar na fila da juventude

que há muito, amadureceu no pé da vida...


“-estranhamente

não me reconheço em mim

sei de onde venho

mas parece que não tenho fim...”


de olhos vermelhos

corre pro espelho

na vã tentativa de se encontrar:

e lá está ela

a sua imagem

mas não é ele

não ri de si própria

não tem autonomia

é um arremedo de si

triste e breve alegoria

da sua efêmera vida vazia...


ancora-se frouxo

num pensamento ordinário

de um tempo imemorial

que lhe trouxe espanto...


o branco em seus cabelos

as rugas no seu rosto

não fazem do tempo

um personagem confortável

antes disso, cruel e voraz ...


e num acesso de raiva lúcida

decide nunca mais dar corda

em seu relógio de pulso

pois velho como ele

já não deve aguentar mais

a correria insana e impiedosa

do tempo

impetuoso desembestado...


o velho

sem medo

sem mágoa

sem dor

sem pressa

atravessa sua vil existência

na esperança de um dia

ser apenas saudade...


2011


Na 1ª rodada da final do concurso de poesias do blog Autores s/a o tema dado foi "O VELHO E O TEMPO"e eu me classifiquei com este texto.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

"tocaia"


o negrume profundo

da noite da vaca seca,

abre-se distraído

com coriscos esparsos,

a pintada espreita

a dança das marrãs

sob o umbuzeiro carregado...

o homem velho,

de rugas morenas,

empunha a azagaia

sob o olhar curioso e arregalado

do menino mudo e desajeitado...

o tempo revelará

os caprichos da tocaia...


2011


Poesia dedicada aos meus amigos e colaboradores: Aderaldo Luciano, Clarisse Monteiro, Stella Monteiro, Lis Mainá Pincelli, Marcelo Asth e Minha Izaura Carolina.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

“noite sã” (para Aderaldo Luciano)


o gabiru

espreguiça

a noite abafada...


a suçuarana

espreita atenta

o pasto ressequido

de bezerros magros...


o chão rachado

esfumaça o pó

no lacrimoso dos olhos...


o homem

esfria os calos

na raiz melancólica

do sorriso de esfinge

de sua companheira...


o menino no oitão,

de barriga rasgando,

chuta a lata

de azeitonas distantes...


o denso do céu

corisca zangando

mas a chuva não vem.

2011


Dedico este escrito ao escritor, amigo e assessor para assuntos sertanejos:

Aderaldo Luciano.

Nesta rodada do concurso de poesias do AUTORES S/A, restamos 11 poetas e o tema agora é O SERTÃO.Publico aqui um dos exercícios a respeito do tema.






quarta-feira, 13 de julho de 2011

"cena do dia"

( Dedicado a Aderalo Luciano, amigo que me assessorou em assunto de poesia e vida- Com o meu muito obrigado.)





"cena do dia

o céu prenhe de azul
carecendo de vapor,

sustenta um sol inequívoco

com seus olhos de azagaia...


a vaca seca,

catinguenta de bicheira,

olha sem apreço

o jegue acangalhado

cingido no pau da oiticica...


o homem calmo e rude,

de meizinha compressa

aliviando o fogo dos calos,

instrui o menino engenhoso

sobre os segredos da lida:

“-cutuca o murundu

teiú taí!”



2011



Nesta rodada do concurso de poesias do blog AUTORES S/A, restamos 11 poetas e o tema agora é O SERTÃO.

Publico aqui um dos exercícios a respeito do tema.


sexta-feira, 8 de julho de 2011

"hã?"


não fosse isso
e era menos
não fosse tanto
e era quase


e se porém fosse portanto
todavia seria então...

todas as possibilidades
de nada ser o todo
de muito ser a míngua
do silêncio ser a língua...





2011


Victor Huguet e Dante, com trechos de Paulo Leminski, Chico Buarque e Francis Hime (Estes 3 últimos não estão nem sabendo, portanto não autorizaram.)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

“alegrias do mundo”


o preconceito é uma ilha

cercado de armadilhas

por todos os lados,

muitos deslizes equivocados

provocados pela ignorância

pela arrogância desenfreada...


e com a cara mal lavada

‘aparecem’ pedindo apoio:

não são trigo,

se muito,

são joio...


nem todo rei é Pelé,

nem todo Garrincha é mané,

nem tudo que rebola

é bom de bola

ou mulher...


oh! lasso olhar despercebido...


o mundo, agora, é colorido

e isto, foi conseguido,

debaixo de suor e porrada...

não há mais volta nessa estrada.

então se solte,

escolte seus pensamentos tortos:

estão mortos os velhos conceitos.

todos têm o direito

de manifestar seus gostos,

dores, quereres, amores,

seus desejos mais profundos

e, se isto não te bastar

(por um segundo),

lembre-se:

os gays são grande parte

das alegrias do mundo.



2011


Nesta 3ª rodada da final do concurso de poesias, o tema dado foi "CRÍTICA SOCIAL", esta postagem é de um exercício que fiz.

Agora somos só 13 poetas confira tudo no blog "AUTORES S/A".